Uma cidade com menos carros e mais bicicletas...
Uma cidade com mais museus e teatros e menos shopping centers...
Uma cidade menos competitiva e mais solidária...
Uma cidade que não trate a violência com mais violência, mas com "armas" como educação, saúde e cultura....
Uma cidade que não criminalize o trabalhador informal, mas o trate como cidadão...
19/05/2013
quinta-feira, 19 de maio de 2016
quarta-feira, 18 de maio de 2016
Cidade dinâmica: da indústria ao condomínio residencial
A cidade é dinâmica. Uma amostra disso é a frenética mudança da paisagem. A todo tempo presenciamos abertura de uma nova via, a demolição de uma velha casa, a construção de um edifício. Umas mudanças são rápidas, como a construção de um condomínio por uma grande incorporadora, outras são lentas, como uma casa auto-construída nos bairros populares que pode demorar anos e anos.
A constante reconstrução do espaço urbano é facilmente observada na paisagem, embora muitas vezes não demos conta disso. No entanto, cada mudança na cidade nos revela significados que vão além da paisagem. Além das formas, é revelado o conteúdo atual da cidade.
O Serra é um bom lugar para verificarmos isso. Como todos sabem, a cidade vive há alguns anos um intenso crescimento econômico e imobiliário. “Pipocam” para todos os lados, novos condomínios residenciais e centros comerciais. Muitos empreendimentos são erguidos em vazios urbanos e outros em lugar de armazéns e antigas fábricas.
Um caso notório dessa mudança de conteúdo da cidade da Serra é a construção de um novo condomínio no lugar da antiga Atlantic Venner do Brasil. Essa indústria surgiu no final dos anos 1960 e por várias décadas foi uma das principais fábricas de derivados de madeira do Brasil. Em seu auge, chegou a ter a quase 5 mil habitantes e estimulou diretamente a criação e ocupação de bairros vizinhos a planta industrial. A empresa faliu no final da década de 1990. Ela representou a dinâmica clássica da cidade industrial, inclusive contava com uma vila operária, o atual bairro de Chico City.
Há alguns meses toda sua estrutura vem sendo desmontada. Seus enormes galpões foram abaixo. O último “símbolo” a ir abaixo foi uma das extensas paredes de um dos maiores galpões da empresa. Em seu lugar está sendo erguido a nova sede uma faculdade e, na maior parte, será construído mais um grande condomínio pela MRV Engenharia no município.
Figura 1 – Trator destruindo o que resta da Atlântic Venner.
A grandiosidade da fábrica cederá espaço para a grandiosidade do condomínio fechado. Se antes era a fábrica que explorava a força de trabalho de milhares de pessoas, agora emerge o proletário da construção civil. Se antes, a extensa periferia revelava a metrópole industrial, hoje os enclaves mostram a metrópole fragmentada, resultado de novas formas de se ganhar dinheiro com a cidade, como é o caso do mercado imobiliário que se expande espacialmente na Grande Vitória. Antes, como hoje, a cidade se mostra excludente, porém com novos contornos.
Thalismar Gonçalves - Dezembro de 2011
Geógrafo
IFES
Link: http://cidadecomodireito.blogspot.com.br/2011/12/cidade-dinamica-da-industria-ao.html
Mobilidade urbana: uma questão de engenharia ou uma questão política?
Os famigerados congestionamentos são um dos principais problemas das grandes cidades brasileiras, dentre tantos que temos. É comum os telejornais da manhã iniciarem, e às vezes terminarem, a partir de um panorama do trânsito por diferentes pontos da cidade. É como se a mídia tivesse o dever de informar ao cidadão “motorizado” os pontos “estrangulados” e onde os carros fluem com tranquilidade.
Quando se questionam os motivos dos congestionamentos, a resposta é simples (simplista): ausência de planejamento por parte do poder público. A prefeitura, governo estadual ou federal não investiram em infraestrutura suficiente para a demanda crescente de automóveis. Nesse raciocínio, o que fazer? Ora, investir em infraestrutura e recompensar o tempo perdido a partir de ampliação de vias, construção de pontes, viadutos etc.
É a solução que perpassa pelo imaginário popular e difundido/ reforçado pela grande mídia. Nessa perspectiva, a locomoção pela cidade por meio de automóveis individuais aparece como algo natural. Como é natural a ideia de felicidade estar relacionada necessariamente a aquisição de um novo modelo de carro. Se a cidade não fosse uma construção coletiva e aquisição de um automóvel fosse uma mera questão subjetiva, encerraria a discussão por aqui! Porém, não é bem assim...
Quando se parte da ideia de que a mobilidade urbana é uma questão de engenharia, opta-se (politicamente) pela continuidade da cidade dos carros. A indústria automobilística e as grandes empreiteiras agradecem. A engenharia urbana, portanto, ao mesmo tempo em que garante a viabilidade da indústria de carros individuais, ampliando vias, ela em si é um grande negócio (e sempre são as mesmas empresas que prestam serviço para as prefeituras, será por quê?).
Nesse contexto, locomover-se pela cidade como pedestre, ciclista ou usuário de transporte público é um grande sacrifício. E o mais perverso é que a maioria da população capixaba, brasileira, utiliza de tais meios para ir ao trabalho, à escola, à casa de parentes ou amigos etc. Por isso, a questão da mobilidade urbana é, antes de tudo, política. As soluções propostas pelo poder público, de um modo geral, embora venham carregadas de um discurso do “bem comum”, elas beneficiam uma parcela da população e determinados setores privados, como os supracitados.
Thalismar Gonçalves - março de 2012
Geógrafo
AGB-Vitória
IFES
Link: http://cidadecomodireito.blogspot.com.br/2012/03/mobilidade-urbana-uma-questao-de.html
segunda-feira, 4 de janeiro de 2016
Conflitos na e pela cidade: contribuições para o ensino de geografia
São os diversos modos de apropriação do espaço que vão pressupor as diferenciações de uso do solo e a competição que será criada pelos usos, e no interior do mesmo uso. Como os interesses e as necessidades dos indivíduos são contraditórios, a ocupação do espaço não se fará sem contradição e, portanto sem luta. (Carlos, 2001, p.42).
O geógrafo Roberto Lobato Correa (1989) afirma que a produção do espaço
urbano se realiza a partir das ações dos seguintes agentes (ou atores)
sociais: 1) os proprietários dos meios de produção, sobretudo as grandes
empresas; 2) os proprietários fundiários; 3) os promotores
imobiliários; 4) o Estado; 5) os grupos sociais excluídos. Entendemos
que esse último agente se configura a partir de movimentos espontâneos
ou organizados na luta por moradia, transporte urbano, trabalho, lazer,
etc. Cada um desses agentes, ou grupos sociais, se apropria do espaço
urbano a partir de seus interesses, que ora podem ser convergentes, ora
divergentes em relação a outros agentes sociais.
As empresas atuam sobre a cidade com intuito principal de obterem ganhos
privados (lucros). Nesse sentido, a orientação de suas ações tem como
parâmetro a busca de menores custos possíveis para sua atividade
econômica. As estratégias para atingirem esses objetivos podem variar
entre empresas e entre diferentes ramos de atividades. Mas, de um modo
geral, podemos afirmar que as empresas industriais ou comerciais buscam
terrenos, de diferentes tamanhos, e baratos, com infraestrutura urbana
que seja condizente com suas atividades.
Os proprietários fundiários são, digamos assim, os “donos” da cidade. A
terra urbana é uma condição básica para qualquer atividade econômica ou
construção de infraestrutura no espaço urbano. Tendo consciência desse
fato, os proprietários fundiários buscam obter os maiores ganhos
possíveis (renda da terra) a partir da valorização de suas terras. Para
tanto, lançam mão de estratégias como a especulação fundiária (retenção
de áreas vazias no interior da mancha urbana), pressão sobre o poder
público construir infraestrutura como vias rodoviárias ou equipamentos
públicos nas proximidades de seus terrenos, etc.
Os promotores imobiliários produzem uma parcela considerável da cidade.
Aqui estamos falando dos incorporadores e loteadores. Ambos buscam obter
ganhos através da venda do produto imobiliário, que pode ser uma casa,
um apartamento ou um lote. Os ganhos dos promotores imobiliários estão
relacionados diretamente ao preço final de venda do produto imobiliário.
Por isso, lançam estratégias como empreendimentos em áreas com
infraestrutura urbana, próximas de amenidades naturais (praias, área
verde) ou produzem habitações com inovações como os condomínios fechados
munidos de área de lazer interna e outros serviços. Em função de tais
estratégias, o mercado imobiliário é caracteristicamente excludente, não
sendo acessível para parcela significativa da população de países como o
Brasil.
O Estado é, sem dúvida, um agente social privilegiado na produção do
espaço urbano. Sua atuação é complexa e variável ao longo do tempo e do
espaço, refletindo as contradições e as correlações de força no interior
da sociedade, uma vez que o Estado não é neutro. A atuação do poder
público sobre o espaço urbano é dupla. De um lado, regulamenta o uso e a
ocupação do solo urbano pelos agentes privados através da legislação,
além de mediar as tensões e os conflitos que tem a cidade como palco e
objeto. De outro, o poder público produz o espaço diretamente por meio
da construção de vias, equipamentos públicos, habitações populares, etc.
A forma como o Estado atua sobre a cidade (o que se construir e onde,
por exemplo) reflete diretamente na orientação das ações dos outros
agentes privados.
Os grupos sociais excluídos representam a parcela da sociedade que ao
longo do processo de produção da cidade, seja pelos agentes privados,
seja pelo Estado, tem uma série de direitos negados: moradia, transporte
público, lazer, trabalho, cultura etc. Nesse contexto, esses movimentos
espontâneos ou organizados lutam por uma cidade menos desigual e mais
justa. Uma das expressões concretas da ação dos grupos sociais excluídos
são as ocupações e favelas, produzidas pela população com menos
rendimentos e subempregados que não têm como pagar aluguel ou comprar
imóveis no mercado imobiliário formal. Nessa lógica de luta por
direitos, podemos acrescentar protestos ligados a melhorias ou mudanças
no transporte público, desde os realizados em bairros populares às
recentes manifestações dos estudantes ligados ao movimento Passe Livre.
Outros reivindicam o direito ao trabalho nas cidades como é o caso dos
ambulantes e guardadores de carros (flanelinhas). De um modo geral, os
grupos sociais excluídos entram em confronto direto com o poder público,
como assistimos na TV quase que diariamente.
Portanto, a identificação desses agentes sociais que produzem o espaço
urbano mostra-se como uma possibilidade de entendermos melhor os
conflitos urbanos, e o que, de fato, está em jogo. O Observatório dos
Conflitos Urbanos (UFRJ/IPPUR/CMRJ) define conflito urbano:
(...) todo e qualquer confronto ou litígio relativo à infraestrutura, serviços ou condições de vida urbanas, que envolva pelo menos dois atores coletivos e/ou institucionais (inclusive o Estado) e se manifeste no espaço público (vias públicas, meios de comunicação de massa, justiça, representações frente a órgãos públicos, etc). Manifestação coletiva que tenha a cidade como espaço e objeto de suas reivindicações. (Observatório dos Conflitos Urbanos)
Para aprofundarmos um pouco mais as questões, é preciso, ainda que
resumidamente, entender um pouco mais da natureza do processo de
urbanização atual, em especial no Brasil. A consolidação da
industrialização a partir das décadas de 1960 e 1970 foi, sem dúvida, um
marco para a urbanização brasileira. Esse processo social e econômico
promoveu a integração do território e a formação de uma rede urbana
nacional hierárquica, tendo como epicentro as grandes metrópoles. A
população brasileira se urbanizou, hoje mais de 80% dos brasileiros
vivem nas cidades, sobretudo nas grandes cidades e metrópoles.
A rede urbana e as cidades passam ser organizadas segundo os interesses
da produção industrial, em seus vários momentos como a circulação e o
consumo. Ao mesmo tempo, importante parcela da população que chegava aos
centros urbanos não conseguia empregos ou se inseria de forma precária
no mercado de trabalho . Com o crescimento demográfico e a concentração
econômica nas cidades, os promotores imobiliários e os proprietários
fundiários encontram condições objetivas de potencializarem seus ganhos,
a própria produção imobiliária passa a ser um ramo privilegiado de
investimentos do capital.
Nesse contexto, de ampliação do uso econômico da cidade, intensifica o
processo de segregação espacial e forma-se “[...] duas cidades. Uma de
opulência, bem-estar e prazer, e outra de pobreza e desesperança. [...]”
(CORRÊA, 2005, p. 177). A lógica como se deu a urbanização no Brasil
foi e é excludente e desigual, e a segregação espacial não é a única
expressão concreta. A luta diária da população usuária do transporte
público, os freqüentes congestionamentos, a dificuldade de se locomover
na cidade de bicicleta ou mesmo a pé, o aumento do comércio informal
(incluindo o trafico de drogas) são outros exemplos concretos da
urbanização brasileira.
Como pano de fundo dos conflitos que são travados no espaço urbano, está
o embate entre dois modelos de cidades: a cidade como negócio X a
cidade como direito. Na primeira, a cidade é entendida, antes de mais
nada, como forma privilegiada de obtenção de ganhos privados. Na
segunda, a cidade é entendida como obra humana e coletiva e, por isso,
deve servir prioritariamente aos interesses da coletividade, a cidade é
vista como direito de todos e todas.
Por Thalismar Gonçalves
http://blogdojosimarnunes.blogspot.com.br/2015/12/conflitos-na-e-pela-cidade.html
Referências Bibliográficas:
CARLOS, Ana Fani A. A Cidade. 6ª Edição. São Paulo: Editora Contexto, 2001.CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Editora Ática S.A., 1989. ¬
______. Trajetórias geográficas. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
terça-feira, 5 de maio de 2015
Ocupar uma terra improdutiva é um Direito?
Diferentemente do que é assimilado pelo senso comum, reproduzido/reforçado pela grande mídia e outras instituições sociais (como a escola, a família, etc) o direito à propriedade no Brasil não é absoluto. Ou seja, o fato de alguém ser dono da terra não significa que se pode fazer qualquer coisa com ela, como por exemplo não proporcionar um USO, seja no campo ou na cidade. O direito à propriedade é, portanto, condicionado a sua função social, ou ao seu significado benéfico para toda a sociedade e não apenas para o seu proprietário. Com isso, no campo, a propriedade tem como função social básica proporcionar a produção agrícola, o que beneficia a sociedade ao gerar emprego para o homem do campo e ao produzir alimentos para a cidade.
Portanto, o processo de ocupação é a luta para efetivar um direito, que está na Constituição.
É difícil para a maioria das pessoas compreender isso. Face ao processo histórico de alienação (NO SENTIDO DE ENXERGAR O MUNDO POR MEIO DA LENTE DO OUTRO/OPRESSOR) proporcionado pela precária Educação Pública (e pela mercadoria vendida pelas Escolas Privadas, que insistem em chamar de Educação) e pela falácia cotidiana da grande mídia (que inclui não apenas telejornais, jornais impressos, mas também produtos culturais como novela).
No entanto, não é tão difícil compreender a luta do MST. Os dados atuais sobre a concentração de terra e a história da propriedade fundiária no país são muito reveladores. A letra da música retrata um pouco esta questão. Ao longo da história do Brasil, a terra sempre esteve restrita aos brasileiros mais abastados, preocupados com os ganhos econômicos com a terra. Enquanto vários grupos que utilizam a terra como meio de vida e reprodução cultural são cada vez mais alijados de seus territórios: camponeses, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, etc. Porém, a esperança sempre estará acessa a cada ocupação do MST, conflito travado pelas comunidades indígenas, entre outras ações contra-hegemônicas.
MST
Quem você pensa que eu sou
aquele que você viu na TV
o que te faz pensar que sou tão diferente de você
pois eu tenho família e também meus filhos pra criar
e sou eu que estou aqui
lutando porque é meu por direito
Devo ocupar
Devo produzir 3x
Devo resistir
Pouco me importa se você não gosta
da cor da minha bandeira
Pois sou eu que estou aqui
e sou eu que tomo bala nos que
deviam me defender
falsos amigos de uma nacão não querem ensinar
o que é um cidadão
Devo ocupar
Devo produzir 3x
Devo resistir
aquele que você viu na TV
o que te faz pensar que sou tão diferente de você
pois eu tenho família e também meus filhos pra criar
e sou eu que estou aqui
lutando porque é meu por direito
Devo ocupar
Devo produzir 3x
Devo resistir
Pouco me importa se você não gosta
da cor da minha bandeira
Pois sou eu que estou aqui
e sou eu que tomo bala nos que
deviam me defender
falsos amigos de uma nacão não querem ensinar
o que é um cidadão
Devo ocupar
Devo produzir 3x
Devo resistir
"O campo brasileiro, continua produzindo sangue
e assistindo como no passado ao desfile de bandeira
vermelhas, entre multidões de miseráveis
sob o comando do MST. Combater a latifúndio,
desapropriar, ocupar e distribuir. As palavras de ordem
resistem ao tempo como resistem a concentração fundiária
0,9% dos produtores detém mais de 35% das terras.."
e assistindo como no passado ao desfile de bandeira
vermelhas, entre multidões de miseráveis
sob o comando do MST. Combater a latifúndio,
desapropriar, ocupar e distribuir. As palavras de ordem
resistem ao tempo como resistem a concentração fundiária
0,9% dos produtores detém mais de 35% das terras.."
A ganância dessa elite já foi demais
400 anos de massacre também já é demais
Vou ocupar
Vou produzir3x
Vou resistir
400 anos de massacre também já é demais
Vou ocupar
Vou produzir3x
Vou resistir
PODER AO POVO !!!
quarta-feira, 26 de novembro de 2014
A proliferação de “templos de consumo”: apropriando-se do nosso tempo
“Todas as condições se reúnem assim para que exista uma dominação perfeita,
para uma exploração apurada das pessoas, ao mesmo tempo como produtores,
como consumidores de produtos, como consumidores de espaço” (HENRI LEFEBVRE)
Além da violência urbana, outro fato divulgado constantemente na mídia sobre a Serra é o expressivo crescimento do mercado imobiliário nos últimos anos. Diferentemente dos municípios de Vitória e Vila Velha, o produto imobiliário “padrão” no município é o condomínio fechado, de casas ou edifícios. Outra novidade recente na cidade é a proliferação de centros comerciais, mais conhecidos como shopping centers, de diferentes portes. Alguns se encontram em funcionamento, outros em construção ou como projetos. O fato é que esses “templos do consumo”, como os denomina Milton Santos, participarão cada vez mais do cotidiano do cidadão serrano, como de outras cidades capixabas.
De um modo geral, a grande mídia anuncia tais empreendimentos como representação do moderno e do conforto: “É o lugar onde encontramos de tudo!”. Além disso, é ressaltado o papel dos shoppings na geração de emprego, seja durante as obras ou quando estiverem em funcionamento. Ou são poucas as vezes que a Camila Domingues (repórter da Rede Gazeta) anuncia, toda sorridente (!), as vagas de emprego em tais setores no telejornal da hora do almoço?!
Mas nem tudo que reluz é ouro, e nem tudo que é bom, é realmente bom para todos. Os shopping centers, assim como os hipermercados, possuem um papel estratégico para a reprodução da sociedade contemporânea baseada na produção e no consumo de mercadorias. Por um lado, a construção de tais equipamentos urbanos (como os condomínios fechados) representam grandes possibilidades de ganhos para incorporadoras, tornou-se um ótimo negócio produzir espaço como salienta diversos estudiosos da cidade. Por outro, o shopping center, com seu atrativo micro-climático associado a comodidade, se revela como lugar privilegiado para o consumo. Mais que isso, tais espaços privados encerram cada vez mais a realização da vida cotidiana por meio do consumo, em função das atividades diversificadas (não apenas comércio, o shopping virou sinônimo de lazer) e do tempo (abertos até mais tarde e inclusive aos domingos).
O shopping center representa uma mudança não apenas da forma, mas do conteúdo de nossas cidades, de como nos apropriamos delas. Para ilustrar essa passagem vou recorrer a uma passagem da minha infância. Quando criança, em Taquara II (Serra), era muito comum passar as tardes de domingo no chamado “Campão”, um campo de várzea careca (hoje tem grama e está alambrado), enquanto rolava o jogo de futebol entre os adultos, eu e meus amigos jogávamos “travinha” (furingo) na lateral do campo. Era um verdadeiro “evento” do bairro. Gastávamos muita energia, e nada de grana. Hoje essas práticas têm se enfraquecido, inclusive nas periferias. Grande parte das pessoas tem aproveitado o tempo “livre” em outros espaços, agora nos espaços privados como os shopping centers, centros de futebol socyte, clubes etc. Aquele tempo que era “livre” foi apropriado pelas relações de produção, não como trabalhador, mas como consumidor.
E para fechar o assunto, é importante salientar o preço que se paga (e quem paga!) pela comodidade e pelo conforto dos shoppings tão apregoados. Recente matéria do Brasil de Fato revela que os trabalhadores do comércio são um dos que mais sofrem com extensas jornadas de trabalho (até 60 horas semanais!) e baixas remunerações. Embora sempre estejam com aquele sorriso no rosto, como daquele jovem feliz e superexplorado que trabalha em uma grande rede de fast food.
Referência: Brasil de Fato, Edição de número 476, Ano 10.
Me. Thalismar Gonçalves
AGB-Vitória
Professor do IFES/Aracruz
Publicado originalmente em 12/05/2012 no Blog Cidade como Direito (www.cidadecomodireito.blogspot.com)
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
Ensino de Geografia X Mídia e Fundamentalismo Religiosos
Por que aprendemos geografia na Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio)? Essas informações servirão para alguma coisa? Este é o questionamento constante por parte dos estudantes. Responder a pergunta acima não é fácil, sua resposta, talvez, tomaria bem mais que um pequeno texto. Não vou reduzir a geografia a uma das matérias que "caem" no ENEM para justificar a sua importância. Abaixo falo da importância de apreender geografia em relação a duas instituições que participam diretamente da (de)formação dos cidadãos: a grande mídia e a religião.
1. A geografia pode e deve contrapor as falácias (Designa-se por falácia um raciocínio errado com aparência de verdadeiro) divulgadas na grande mídia. Alguns exemplos:
- O direito de ir e vir: quando há protestos que interrompem as vias públicas, a tônica das matérias, de um modo geral, é criminalizar, culpabilizar, os manifestantes, alegando que os mesmos estão violando o direito de ir e vir do cidadão. Não se divulga de forma séria os reais motivos das manifestações. Na maioria dos casos, a interrupção do tráfego é para chamar a atenção sobre violação de direitos como a saúde, educação, segurança, transporte público, etc. Portanto, se ir e vir na cidade é um direito, também é direito do cidadão reivindicar por direitos básicos previstos na Constituição Federal.
- Ocupação ou invasão? Quando ocorre a ocupação de latifúndios (grandes propriedades improdutivas) ou prédios vazios, os noticiários, de um modo geral, acusam os ocupantes de invasores, ou mesmo criminosos. Sobre tais fatos, a mídia reconhece (de forma intencional ou não) apenas o direito à propriedade previsto na Constituição Federal, por isso acusa os manifestantes de invasores. No entanto, a mesma Constituição Federal prevê que a propriedade rural ou urbana deve exercer sua função social, ou seja, deve ter um uso (plantação ou moradia, por exemplo) em vez de servir a especulação. Portanto, quem ocupa não é invasor, mas está lutando por direitos previstos na Constituição como o direito ao trabalho digno e à moradia digna.
2. A geografia pode e deve contrapor aos fundamentalismos religiosos (e outros fundamentalismos também):
- Diversidade religiosa: ao longo da história e no mundo atual presenciamos diversos conflitos em que a Religião é um importante componente. De um modo geral, tais conflitos e tensões se realizam sob o combustível do fundamentalismo religioso. Trata-se de interpretações ortodoxas dos escritos sagrados que levam as pessoas a intolerância religiosa (não aceita ou repudia pessoas de outras religiões) e a comungarem com valores e práticas antiéticas, que acabam por naturalizar a violência e a discriminação. A geografia nos ajuda a compreender que existem, apesar do processo de globalização, uma infinidade de sociedades e comunidades. E cada uma delas ao longo de sua história foi estabelecendo formas particulares de relação com o sobrenatural ou espiritual. Por isso, é irracional o não reconhecimento ou a hierarquização das diferentes religiões ou seitas. Uma dimensão da riqueza cultural no Brasil é a sua diversidade religiosa.
- Estado Laico: Há diversos países em que o Estado e a Religião encontram-se ligados constitucionalmente. Esses Estados são chamados de teocráticos e os valores religiosos são previstos e reconhecidos em lei, orientando as práticas do cidadão. Alguns exemplos de Estados Teocráticos: Irã (Islamismo) e Vaticano (Catolicismo). Há outros diversos países que o Estado é Laico, ou seja, não há relação orgânica com nenhuma religião e prevê em sua Constituição a liberdade religiosa. O Brasil é um Estado Laico, por isso, a discussão das políticas públicas não devem ser interferidas por valores religiosos, mas se basearem em aspectos éticos, e voltados prioritariamente para a resolução de problemas sociais e ambientais.
Portanto, o ensino de geografia não se reduz a decorar os nomes das capitais dos países ou siglas dos Unidades da Federação do Brasil. Aliás, embora seja importante, isso não é geografia. Aprender as diferentes dimensões dos conflitos urbanos e rurais é de suma importante para nos posicionarmos frente ao mundo, assim como saber sobre a religião numa perspectiva geográfica. É importante ressaltar que a crítica no segundo item não se refere a Religião, enquanto prática social. Mas volta-se para o fundamentalismo religioso (de qualquer vertente) que vai de encontros a valores e princípios fundamentais como liberdade, democracia, diversidade cultural etc.
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